Cearense Marília Lovatel é premiada em competição nacional de literatura infantojuvenil — Foto: Divulgação

Escritora cearense Marília Lovatel vence prêmio nacional de literatura infantojuvenil

A professora e escritora cearense Marília Lovatel foi a vencedora do 20º Prêmio Barco a Vapor, que reconhece o trabalho de autores da literatura infantojuvenil brasileira. A obra premiada em 2024, ‘Salvaterra - breve romance de coragem’, combina temas como a escolha feminina do próprio caminho e a intimidade com a terra e os animais.

 

O prêmio, promovido pela Fundação SM com apoio da SM Educação, foi entregue no dia 6 de dezembro durante cerimônia em São Paulo.

 

A iniciativa do prêmio surgiu na Espanha para revelar novos autores e proporcionar aos jovens leitores o acesso a textos inéditos de qualidade. No Brasil, o vencedor leva um valor de R$ 40 mil e tem o livro publicado pela coleção Barco a Vapor. Esta edição do prêmio teve 1.135 textos inscritos.

 

O livro premiado e lançado em 2024 vem se somar a outros 15 títulos escritos por Marília Lovatel. Nascida em Fortaleza, a autora tem trilhado uma trajetória na literatura infantojuvenil.

 

 ‘Salvaterra - breve romance de coragem’ é sobre uma menina. Por ter sido sempre chamada de ‘menina’, a protagonista se identifica por esse nome. É ela quem conta ao leitor sobre a infância e a adolescência com lutas diárias e quase nenhum tempo para sonhar na numerosa família que mora na Ilha do Marajó, no Pará.

 

Crimes ambientais e preservação do meio ambiente são alguns dos aspectos abordados na obra, que traz na dedicatória os nomes de figuras marcantes na defesa da Amazônia: Bruno Pereira, Dom Phillips, Dorothy Stang e Chico Mendes.

 

Além de temáticas que abrem portas para diversas camadas de leituras e discussões, a obra inova no formato ao apresentar capítulos curtos — que podem consistir em apenas uma frase — e textos enxutos e marcantes.

 

A escrita sempre presente

 

Nascida em Fortaleza, Marília se graduou em Letras na Universidade Estadual do Ceará (Uece) e concluiu o mestrado em Literatura pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Atualmente, é também professora, redatora publicitária e cronista.

 

Marília conta que, ainda na infância, se mudou diversas vezes pela capital cearense com a família. Assim, um lugar onde ela se fixou foi Guaramiranga, município na serra de Baturité. Por lá, Marília passava quase todos os fins de semana e férias da escola.

 

“Lá o espaço para a imaginação e para o exercício criativo não tinha muros, paredes, limites. Essa experiência ampliou a minha percepção dos seres, dos ambientes e com certeza me aproximou do universo da escrita, ainda que o registro disso tenha se concretizado muitos anos depois”, relembra a autora em entrevista ao g1.

 

Olhando em retrospectiva, ela identifica que a escrita já acontecia dentro de si. Foi por meio da leitura que ela descobriu, livro a livro, que aquela seria a sua forma de se expressar no mundo.

 

“A pulsão para a escrita surge cedo e cresce dentro da gente, à espera da oportunidade de se manifestar”, revela.

 

Uma redação feita no Ensino Médio mudou os rumos para ela. Como lembra Marília, foi a professora Tereza Araripe que se encantou com o texto e inscreveu o material em um concurso nacional de crônicas estudantis. E deu certo: Marília viajou para o Rio Grande do Sul na adolescência para receber o prêmio.

 

Conexões com autores consagrados

 

A crônica escrita na escola rendeu a Marília contatos com escritores que marcaram a história da literatura brasileira. O primeiro foi o contista e cronista gaúcho Luís Fernando Veríssimo. Ele era responsável pela banca de júri que avaliava os textos do concurso nacional.

 

“Um imprevisto me impediu de conhecê-lo, mas fiquei feliz demais em pensar que algo que escrevi fora lido por ele”, partilha Marília Lovatel.

A primeira premiação trouxe ânimo para escrever mais. Por três ou quatro anos, Marília se dedicou a datilografar histórias curtas, consideradas embriões de contos.

 

“Esses textos chegaram à Rachel de Queiroz, em Guaramiranga, na casa de Célia de Matos Brito, prima dela, que a hospedava nas temporadas na serra, nos intervalos do calor do sertão de Quixadá. Eu tinha 21 anos e fui surpreendida com um retorno por escrito, a letra dela em um papel timbrado da ABL com as suas impressões sobre a leitura, assinado e datado de 28 de novembro de 1992”, recorda.

 

A carta redigida pela autora de ‘O Quinze’ ficou guardada com Marília. Segundo a escritora, este escrito ajudou a abrir as portas em uma grande editora para que ela publicasse o primeiro livro, 20 anos depois.

 

Outro destaque na trajetória de Marília foi a experiência de escrever a quatro mãos com o próprio filho. Em 2012, a ideia surgiu para preencher o tempo livre em dias de muita chuva na praia. A experiência acabou virando um projeto, o primeiro que ela considera ter despertado a atenção de jovens leitores.

 

“Quando finalizamos o texto, descobri a expectativa de meu filho relativa à publicação e eu, que mantive textos guardados por 20 anos, resolvi lutar pela realização do desejo dele”, explica.

 

A mãe e a sogra como inspirações

 

Com ‘Salvaterra - breve romance de coragem’, Marília Lovatel carrega a intuição de que a densidade da obra pode alcançar um público maior nos futuros projetos, podendo marcar a transição do infantojuvenil para o adulto.

 

Crise climática, a defesa da terra, a luta pela sobrevivência e pela própria identidade. Os temas trazidos em ‘Salvaterra - breve romance de coragem’ surgiram para ela de forma natural no processo de escrita. Questões que ela deseja que o leitor jovem vivencie durante a leitura.

 

Também nessa criação, duas mulheres reais inspiraram a história: a mãe e a sogra, que representam, para ela, pessoas de fibra e com coragem de desafiar caminhos anteriormente determinados pela tradição familiar e pela sociedade.

 

A mãe é, assim como Marília, natural de Fortaleza. E a sogra da autora é filha de Salvaterra, município da Ilha de Marajó.

 

“A presença delas está na rotina de Salvaterra, descrita a mim por Altair, minha sogra, e na coragem dela e de minha mãe em traçar as próprias trajetórias e descobrir os seus propósitos de vida. Ainda que seja uma ficção sem caráter biográfico, elas estão lá”, aponta a autora.

 

Reconhecimento e próximos passos

 

A felicidade em conquistar o Prêmio Barco a Vapor se mistura à responsabilidade que esse reconhecimento traz. Por isso, Marília busca estar atenta para os próximos passos, considerando o ato de escrever como um ‘contínuo recomeço’.

 

“Cada livro zera o velocímetro. Não tem faixa de chegada para cruzar”, resume.

Para 2025, alguns dos desejos de Marília são conhecer Salvaterra e participar da COP 30 (conferência mundial sobre mudanças climáticas), a ser realizada em novembro. “Seria muito especial ir a Belém por causa do livro e, ao mesmo tempo, experimentar extrapolar a Literatura”, partilha.

 

Atualmente, a autora trabalha em projetos simultâneos, envolvendo as tarefas de escrever e reescrever até sentir que as novas histórias estejam prontas para chegar às mãos dos futuros leitores.

 

(G1 Ceará, por Thaís Brito)

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