Pesquisa analisou espécimes capturadas em localidades com maiores ocorrências no Ceará, como Bitupitá — em Barroquinha —, Camocim, Jijoca de Jericoaco
Peixe-leão: estudo da UFC alerta sobre riscos de contaminação pelo consumo da espécie no Ceará
Uma espécie originária do oceano Indo-Pacífico e identificada no Ceará pela primeira vez em 2022, o peixe-leão tem se espalhado pelo litoral brasileiro. Com rápida reprodução e sem predadores naturais, ele chama atenção de pesquisadores pelo potencial para causar diversos tipos de danos, incluindo riscos à saúde humana quando usado para fins alimentares.
Uma pesquisa realizada por pesquisadores do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC) analisou 50 peixes-leões encontrados no litoral cearense. Publicado no último mês de fevereiro na revista científica “Exposure and Health”, o estudo aponta que foram encontrados 19 elementos químicos nos animais, entre eles alguns que podem ser nocivos ao ser humano, como arsênio, chumbo e mercúrio.
Foram analisadas espécimes capturadas em localidades com maiores ocorrências, como Bitupitá — na cidade de Barroquinha —, Camocim, Jijoca de Jericoacoara, Cruz, Acaraú e Itarema, incluindo o estuário Timonha-Ubatuba, o Rio Coreaú e o Rio Acaraú. Com isso, a presença dos elementos foi investigada em animais que vivem em diferentes tipos de ambientes — fundos não consolidados (como mangues), recifes naturais e recifes artificiais.
O estudo também mostra que a presença dos elementos variou de acordo com o habitat onde vivia o peixe-leão analisado. Aqueles capturados em ambientes de recifes naturais tinham maior concentração de mercúrio, enquanto os que foram encontrados em recifes artificiais acumulavam mais chumbo.
“Esses resultados sugerem que não podemos generalizar e que, dependendo do local onde o organismo é capturado, seria oportuno fazer análises prévias para poder dizer se pode ou não ser consumido”, afirma o doutor em Biologia Marinha Tommaso Giarrizzo, professor visitante sênior do Labomar e responsável pela pesquisa.
Ao abordar os riscos à saúde pela exposição a elementos encontrados em exemplares do peixe-leão no Ceará, a pesquisa cita, por exemplo, informações da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre os riscos do consumo de mercúrio acima do limite determinado para mulheres grávidas e em idade fértil, crianças pequenas e pessoas com algumas deficiências nutricionais.
“Mercúrio elementar [metálico] e metilmercúrio são tóxicos para os sistemas nervosos central e periférico. Distúrbios neurológicos e comportamentais podem ser observados após a exposição a diversos compostos de mercúrio, e os sintomas incluem tremores, insônia, perda de memória, efeitos neuromusculares, dores de cabeça, disfunção cognitiva e motora, além de toxicidade renal”, informa o artigo do Labomar.
Já o chumbo representa risco especificamente à saúde de crianças, podendo causar “danos graves ao cérebro e ao sistema nervoso central” em casos de exposição a níveis “extremamente altos”.
“Mesmo em baixas exposições, sem sintomas aparentes, o chumbo pode prejudicar irreversivelmente o desenvolvimento cerebral infantil. (...) [Ele] também está associado a anemia, hipertensão, problemas renais, imunotoxicidade e danos aos órgãos reprodutivos”, escrevem os pesquisadores.
A MAF (quantidade máxima de peixe) estimada, no entanto, indicou que o consumo de peixe-leão por crianças pequenas requer atenção e que uma redução na frequência (cerca de 15 g por dia ou 100 g por semana) pode ser recomendada para permanecer dentro dos limites da dose de referência de mercúrio e chumbo, enquanto, para adultos, o consumo de peixe-leão requer uma redução para cerca de 50 g dia ou 350 g por semana, preferencialmente de peixe capturado em ambientes de fundo não consolidado.
“Peixe-leão no prato: Medidas de controle da espécie invasora resulta em riscos para a saúde humana”
Artigo de pesquisadores do Labomar, da UFC
Estratégias para deter o avanço do peixe-leão
Ter essas informações é importante porque o avanço do peixe-leão precisa ser controlado, uma vez que a espécie invasora é uma ameaça às espécies nativas e ao equilíbrio do ecossistema marinho. E uma das estratégias para realizar esse controle é exatamente a promoção do consumo humano. “No Caribe, por exemplo, existem festivais de gastronomia com peixe-leão”, exemplifica Giarrizzo.
Mas o estudo do Labomar aponta que, no Brasil, é necessário fazer análises prévias. “Especialmente nas áreas mais próximas das habitações, é necessário e relevante fazer avaliações de possível contaminação, porque é um peixe invasor, do qual não conhecemos nada e não sabemos quantos desses contaminantes ele pode acumular e quanto disso pode, portanto, ser transferido para o consumidor final”, alerta.
Com isso, Tommaso Giarrizzo destaca que o consumo do peixe-leão exige cautela, especialmente quando se trata de crianças, pelos níveis de mercúrio e de chumbo encontrados na pesquisa. “E, portanto, sugere-se que, se esse peixe for ingerido, a frequência de consumo não seja tão expressiva, para evitar que possa ultrapassar os limites seguros para o ser humano”, complementa.
Giarrizzo destaca que as pesquisas do Labomar sobre a invasão do peixe-leão não receberam qualquer tipo de financiamento e contaram com colaboração dos pescadores locais, que informam as ocorrências do animal, geralmente capturados durante a pesca, por meio de um aplicativo criado pelo Instituto.
“Foram os pescadores, na verdade, por meio das redes sociais, de canais da internet e do aplicativo, que disponibilizaram os primeiros registros dessa espécie e ajudaram a avaliar o impacto dela no nosso litoral”, destacou.
O Labomar tem feito uma série de pesquisas com o peixe-leão. Um dos objetivos é investigar quais espécies estão sendo devoradas por ele, a partir da análise estomacal dos exemplares coletados para estudo.
Os resultados ainda não estão disponíveis, mas a estimativa é de que pelo menos 29 espécies de peixes no Brasil são afetadas pelo invasor, explica o doutor em Geociências Marcelo Soares, professor do Instituto.
O peixe-leão é venenoso?
A presença do animal no litoral cearense ainda desperta outro alerta. Ele possui 18 espinhos venenosos distribuídos pelo corpo e, em caso de uma pessoa se machucar com eles, a toxina pode causar dor, inchaço, vermelhidão, manchas na pele, diarreia, náuseas e convulsões.
O veneno não impede o consumo do peixe, caso os espinhos sejam retirados. Mas, além de realizar as devidas análises para investigar a contaminação ou não dos animais na região, também deve ser feito o treinamento dos pescadores para manusear corretamente os peixes, ressalta Soares.
“Caso clássico é o do Caribe, onde se fez análises e [se concluiu que] o peixe-leão não é contaminado em muitas partes. Lá ele é comido como uma iguaria. Você tira os espinhos, tira a pele, o couro e come a carne. Mas tem que ter todo um treinamento para as pessoas, os pescadores, não se acidentarem ao tentar pegar o peixe para vender ou doar”, afirma o docente.
Em nota, a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) informou ao Diário do Nordeste, por meio das Células de Vigilância Entomológica e Controle de Vetores (CeVet) e de Vigilância Ambiental e Saúde do Trabalhador (Covat), que acompanha a presença do peixe-leão no litoral do Estado e desenvolve ações preventivas junto a pescadores, profissionais da vigilância em saúde e comunidades costeiras.
“As iniciativas incluem orientações sobre a biologia da espécie, primeiros socorros em caso de acidentes e a distribuição de material educativo”, afirmou a Pasta. A Sesa também pontuou que segue as recomendações técnicas do Labomar, orientando a população a não consumir o peixe-leão devido aos riscos associados.
Por que é difícil controlar o peixe-leão?
Existem duas espécies de peixe-leão, a Pterois volitans e a Pterois miles, originárias do oceano Indo-Pacífico. Os nomes científicos remetem a características dos peixes, que têm nadadeiras compridas e capacidade de capturar a presa por sucção, engolindo-a por completo.
“‘Pterois’ é uma palavra que vem do grego e significa ‘alado’, fazendo referência a essas nadadeiras bem compridas. [O termo] ‘volitans’ faz referência ao fato de ser ‘voadora’, e ‘miles’ é uma palavra latina que significa ‘soldado’”, aponta Tommaso Giarrizzo. O peixe-leão, complementa o docente, é capaz de ingerir mais de 20 peixes em um intervalo de meia hora.
Enquanto o Pterois miles tornou-se invasora no Mediterrâneo, por meio do Canal de Suez, o Pterois volitans foi introduzido no sul dos Estados Unidos, invadiu o Caribe e chegou no Brasil. Segundo o professor, indivíduos adultos conseguiram se deslocar e transpor a barreira de água doce do Rio Amazonas, descendo pela costa, até alcançar novos habitats, como o litoral cearense.
Uma das estratégias para chegar tão longe é a reprodução. Uma fêmea pode liberar mais de 2 milhões de ovos por ano, sendo entre 15.000 e 30.000 em cada evento de desova.
“Depois de 36 horas, os ovos eclodem em larvas com tamanho inferior a 2 cm, que são dispersas pelas correntes oceânicas por 20 a 40 dias”, explica Giarrizzo, acrescentando que a espécie pode chegar a viver 15 anos.
“Essa característica (...) garante que as larvas desses peixes possam alcançar locais bastante afastados de onde ocorreu a desova. Isso é um aspecto extremamente negativo para controlar o tamanho da população, porque se os adultos ficam em locais mais profundos, por exemplo, não há como capturar os peixes pequenos que estão próximos do nosso litoral”, destaca o professor.
Outro problema é a baixa visibilidade da água no Ceará, que torna difícil a realização de outras medidas. É o caso do incentivo para que mergulhadores recreativos capturem a espécie, com promoção de torneios de captura, como ocorre no Caribe, cita o Luis Ernesto Arruda, cientista-chefe de Meio Ambiente do Ceará, pela Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima (Sema) e da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap).
“A captura precisa ser feita com muito cuidado, visto tratar-se de uma espécie que possui espinhos com peçonha. (...) Os acidentes com o peixe-leão causam dor aguda e inflamação severa, de modo que é preciso ter cautela com a estimulação de captura da espécie por pessoas não habituadas, especialmente na nossa região, onde as baixas condições de visibilidade da água tornam o processo mais difícil”, afirma Arruda, que é doutor em Oceanografia e professor do Labomar.
Arruda acrescenta que a Sema já realizou atividades de captura do peixe-leão com mergulhadores profissionais no Parque Estadual Marinho Pedra da Risca do Meio, localizado a 18 km do Porto do Mucuripe, em Fortaleza. “O Parque tem uma atenção especial por se tratar de uma unidade de conservação. Todos os exemplares capturados foram enviados para o Labomar para estudos”, afirma.
Uma possibilidade para o controle dessa população, segundo Giarrizzo, é utilizar o peixe-leão para outros fins, como aplicar a pele listrada para criar carteiras ou os raios das nadadeiras para fazer bijuterias.
O Diário do Nordeste questionou a Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima sobre a realização, por parte do Governo do Estado, de medidas de monitoramento e controle, a elaboração de projetos de educação ambiental ou campanhas de alertas e a existência de protocolos para remoção da espécie invasora.
O professor Luis Ernesto Arruda destacou que, na época dos primeiros relatos, em 2022, a Sema promoveu reuniões por meio do Observatório Costeiro e Marinho do Ceará, com especialistas e comunidades costeiras, para tirar dúvidas sobre essa espécie e discutir prováveis ações de monitoramento e controle, bem como esclarecer o que fazer em caso de acidente.
“A equipe da Sema e do Programa Cientista-Chefe do Meio Ambiente participou de uma audiência pública na câmara municipal de Icapuí para tratar do assunto”, acrescenta. O professor também aponta que o Programa e a Secretaria auxiliaram as primeiras pesquisas sobre a espécie no litoral cearense, em parceria com o Labomar, inclusive com o desenvolvimento do aplicativo para mapeamento participativo do peixe-leão.
Também foi criada, pela Secretaria da Saúde, uma cartilha que contou com o apoio da Sema com informações sobre a espécie e o que fazer em caso de acidentes. “Inúmeras postagens nas redes sociais da Sema e do Programa Cientista Chefe Meio Ambiente foram feitas com esclarecimentos sobre o assunto”, finaliza.
(Diário do Nordeste, Escrito por Gabriela Custódio)